terça-feira, outubro 05, 2010
Muralha - Cap. II
quinta-feira, setembro 30, 2010
Muralha - Cap. I
terça-feira, setembro 21, 2010
quarta-feira, setembro 15, 2010
Perguntaram a John Lennon:
- Por que você não pode ficar sozinho, sem a Yoko?
- Eu posso, mas não quero. Não existe razão no mundo porque eu devesse ficar sem ela. Não existe nada mais importante do que o nosso relacionamento, nada. E nós curtimos estar juntos o tempo todo. Nós dois poderíamos sobreviver separados, mas pra quê? Eu não vou sacrificar o amor, o verdadeiro amor, por nenhuma piranha, nenhum amigo e nenhum negócio, porque no fim você acaba ficando sozinho à noite. Nenhum de nós quer isto, e não adianta encher a cama de transa, isso não funciona. Eu não quero ser um libertino. É como eu digo na música, eu já passei por tudo isso, e nada funciona melhor do que ter alguém que você ame te abraçando.
Catado daqui: http://agreedoce.tumblr.com/
terça-feira, setembro 14, 2010
Sim / Não. Pode / Não Pode. X / !X
sexta-feira, setembro 10, 2010
quinta-feira, setembro 02, 2010
Dusk and dust
O aperto estranho no peito já não podia mais ser ignorado. Ele se distraía empenhando-se o máximo no uso de toda a sua coordenação motora e reflexo, mas nem isso tirava o ‘pensar’ da sua cabeça. E o aperto no peito não se deixava ser ignorado.
Já chegava a ser uma espécie de dor física, o que ele sentia. Não era só um sentimento ruim mais. Era verdadeiramente a sensação de que um par de mãos invisíveis apertava por cima de seu coração, como que para fazer uma massagem cardíaca às avessas: com o objetivo de parar seu coração, ao invés de fazê-lo voltar a bater. A pressão na caixa torácica dificultava um pouco a respiração e até pensar com clareza estava ficando difícil (o que não o impedia de pensar, de qualquer forma).
A luta em si, para não ficar mal, estava começando a o deixar mal. A tentativa de resistir ao que não se podia resolver por si mesmo estava se tornando parte dos problemas. Além de tudo, o próprio fato de não poder fazer nada já era considerado por ele como uma derrota constante.
Cada dia era uma luta interna de resistência a tudo. Tudo havia se tornado um combate mental em um loop infinito e no momento só existia o cansaço. Extremo.
Tudo isso estava cansando. Ele estava muito, muito, muito cansado.
terça-feira, agosto 24, 2010
Magia: Nada nessa mão, nada nessa- ops.
Não houve tempo sequer de se ouvir o zunido da pequena haste pontiaguda cortando o ar. Só sentiu o impacto diretamente no peito, atravessando armadura de couro batido e roupa no caminho.
A flechada o deixou atordoado imediatamente, encarando a flecha parcialmente enterrada em seu tórax. A dor demorou a vir. O cheiro de sangue em madeira nova invadiu suas narinas enquanto ele ainda dava um passo pra trás, tentando manter o equilíbrio e o raciocínio.
Estava bebendo água no rio, de costas para um caminho que levava à floresta densa, mas parcialmente protegido por uma concentração de arbustos atrás de si. Lembrou de ter levantado, e virado de frente para o caminho, costas para o rio. Deu dois passos ao encarar algo que parecia ser o brilho de dois olhos e uma grande energia ruim entre a mata escura. Lembrou de sentir o desejo de morte vindo, e a flecha chegou ao seu destino.
Diretamente à frente, foi o que pensou. Parou para ouvir. Os passos leves do atirador não podiam ser ouvidos a essa distância, o que significava que ele era bom, pois atirara longe. O arqueiro teve que calcular a curva pelo vento, evitar o máximo de folhas e galhos das árvores no caminho. Além disso, deveria ser um homem bastante paciente, pois esperara até que o alvo estivesse em posição perfeita para o tiro, coisa que este alvo em especial não havia oferecido nos últimos dias.
Ferido, ele gritou de dor e deixou as pernas perderem seu equilíbrio, caindo para trás, fazendo uma bagunça entre os arbustos e as poças d’água próximas.
O arqueiro estava escondido em uma parte mais densa e escura da floresta, aguardando a chance certa. Mesmo na luz, seu capuz grande tampava todo o rosto, tornando impossível encarar o olhar fixo e implacável que se estampava naquele rosto no momento da caça.
Sobre um dos joelhos, com total equilíbrio e controle de cada músculo de seu corpo, viu a oportunidade (a primeira em dias) e atirou. Mirou um pouco para cima, calculando obstáculos e vento no caminho, e a flecha voou do arco absurdamente envergado.
Ouviu com alegria o grito agonizante que indicava o tiro certeiro. Empertigou-se imediatamente, como que fazendo uma pose vitoriosa para um observador inexistente. Sentia muito orgulho de si. Havia deixado o alvo confortável, achando que tudo estava bem. Por dias havia-o seguido e sabia bem que mesmo os mais espertos e experientes se acostumavam à sensação de estarem sendo vigiados se submetidos a ela durante muito tempo. E aí estava o resultado: mais um serviço bem feito. Bom, quase feito. Ainda eufórico, começou a andar, no intuito de terminar o serviço.
Carregava uma aljava com algumas flechas colada à perna direita, amarrada ali com tiras de couro, equipamento especialmente feito pra ele. Na outra perna, um pequeno bolso, também amarrado por tiras, onde ele deixava pequenas sacolas de couro com venenos e óleo para passar em flechas e atirá-las com fogo. Pôs a mão protetoramente sobre esse bolso e começou a correr para o alvo.
Correu em um caminho de parábola, não encarando diretamente o corpo do inimigo caído. Sempre fora cuidadoso assim mesmo com o alvo abatido. Chegar pelo flanco salvara sua vida várias vezes. Parou a poucos metros do alvo, separado do corpo por um arbusto denso, lembrou da recomendação de certo rei que o havia contratado: “Cuidado, magos são criaturas traiçoeiras. Usam tudo ao redor!”. Com o arco já pendurado em seu ombro, ele sacou sua adaga curta e curva, excelente para ataques rápidos ou para arremessar. Era excelente com essa arma. O mago estava muito debilitado e devia estar sem muita força vital, o que limitaria muito o poder de qualquer espécie de feitiço que usasse. Pensando nisso, se sentiu mais confiante e avançou para dar a volta no arbusto e transformar o corpo caído em um defunto.
No milésimo de segundo em que colocou os olhos no corpo cuja flecha estava atravessada no tórax, a adrenalina do campo de batalha tomou conta dos corpos de ambos, despertando os instintos guerreiros de cada um e levando-os a, nesse tempo mínimo, conseguirem total conhecimento do ambiente onde batalhariam.
À frente do arqueiro, um mato baixo e úmido. Três passos a frente estava o corpo do mago, com seu braço direito caído pra dentro dos arbustos e a cabeça encarando o topo das árvores altas, olhar vazio vidrado nos pequenos pontos por onde as copas das árvores permitiam a passagem da luz. Ele estava deitado e sua respiração, subindo e descendo no peito, era muito lenta, quase imperceptível.
O arbusto denso se estendia até o seu lado direito também, e assim ele observava sua caça caída com a cabeça diretamente à sua frente.
E então uma faísca na mão esquerda do mago, enquanto ele estalava os dedos. Não, a faísca estava nele, em sua perna esquerda! Pior, no bolso onde estava seu equipamento inflamável!
Ele xingou alto e atirou a adaga na mão esquerda do mago, a que produzia o fogo, enquanto pulava para trás, para o rio. Droga! Maldito! Acabara de queimar seus tão raros óleos e o fogo estava se espalhando pelo couro de sua armadura leve, já tendo atingido seu cinto de adagas. Ausente ao grito de dor do arcano atingido na mão, o arqueiro se desfez rapidamente do peitoral de couro e mergulhou no rio raso, levantando rapidamente e batendo com as mãos na perna esquerda ainda quente.
Encharcado, levantou a cabeça já sem capuz para encarar o mago de forma desafiadora.
- Respeito você pelo último esforço, arcano. Mas você está fraco e agora sua mão esquerda já não serve pra nada. É o fim, você perdeu.
Sua resposta foi uma tosse que lembrava de longe uma mínima risada.
Deu um passo para frente. Mais dois passos e sairia do rio, mais três passos e terminaria com aquela caça e seria um homem rico.
- Seus passos fazem um tremendo barulho quando dentro de um rio, mercenário – Disse a voz incrivelmente jovem do mago, com tom de quem se divertia.
E então não houve tempo para mais nada. Uma bola de luz se moveu rápido de dentro dos arbustos, acompanhando a mão direita do mago, e de lá veio um clarão. Ouviu um trovão ensurdecedor enquanto a luz atirava-se como uma lança de eletricidade diretamente para seu corpo encharcado. A luz foi sua última visão antes que o mundo se tornasse escuro.
O mago nem sequer precisou olhar para atingir seu alvo, muito menos para conferir se este estava vivo ainda, pois obviamente não estaria. Estava completamente molhado, e pelo som que fez ao andar, o rio devia estar meio palmo abaixo de seu joelho. Só precisou atirar o raio que havia conjurado sob a distração do fogo e a cobertura dos arbustos, na direção que ouvia. A água em volta fazendo o resto do serviço.
Por alguns segundos ouvia o corpo do assassino tremendo freneticamente antes de finalmente bater na água rasa. Suas últimas palavras haviam sido o som de seu maxilar batendo com força enquanto a corrente elétrica atravessava o corpo.
Cuspiu sangue e finalmente se entregou à dor da flecha enterrada no peito e da mão atravessada pela adaga, provavelmente envenenada. Cairia, mas seu inimigo iria junto com ele para o fim. Calculou que o fim para si não levaria mais do que alguns instantes.
Não repensou sua vida. Não se arrependeu de nada do que fez. Não houve túnel nem luz enquanto cerrava os olhos. Enquanto fechava seus olhos para este mundo, ouviu o barulho de cascos batendo com força e ritmo veloz, tremendo o chão sob si mesmo. Seria o cavaleiro da morte de quem ouvira falar?
Tudo escureceu e não houve mais como pensar ou saber nada.
Os cascos pararam ao seu lado. E não houve mais nada.
sexta-feira, agosto 20, 2010
A Arte de Continuar
Os cascos de seu cavalo negro escorregavam no chão enlameado e irregular enquanto ele cavalgava veloz. O vento forte machucava os olhos e desprendia as lágrimas. Precisava chegar rápido, não podia se atrasar nem um minuto que fosse. Não poderia perder essa chance, talvez a única chance.
Subiu a colina e observou o campo à sua frente. Kilometros de campo aberto e de mato alto e uma descida pouco íngreme o separava de seu destino. Ao longe, podia ver a chuva forte que caia. Sempre a chuva.
Podia sentir o cheiro da chuva enquanto continuava a cavalgada desenfreada. A grama aos joelhos de sua montaria passava em um borrão verde e a terra espirrava para trás do cavalo. O alazão não se assustava nem com os trovões mais fortes, bem como seu cavaleiro. Os clarões eram encarados como dádivas, davam força para continuar a empreitada e completar a missão.
As muitas horas, talvez dias, de corrida contra tempo, clima e cansaço finalmente terminavam. Já podia encarar o imenso portão de madeira que dava passagem através da muralha. Na parte baixa, na altura da cabeça de um homem, havia um grande escudo marcado com a grande cabeça de um leão, como que observando e avaliando a coragem daqueles que se aproximavam.
Foi um esforço para parar o grande cavalo em frente ao portão. Ele parecia querer continuar para sempre.
O homem, com a roupa molhada e suja, mas um ar vitorioso, encarou o portão. Desmontou, apertou mais a fivela do cinto que carregava a espada e andou até o portão. Bateu três vezes no escudo.
A espera pareceu de meses. A chuva se transformou em tempestade e o frio se intensificou. A noite caiu e o dia se fez e ele continuamente tentou de várias formas abrir o portão, até que finalmente uma pequena fresta se abriu com um barulho enorme e palavras pesadas foram ditas.
De cabeça baixa, o cavaleiro voltou à sua montaria e cavalgou até que sua cabeça pudesse se levantar.
Os cascos de seu cavalo negro escorregavam no chão enlameado e irregular enquanto ele cavalgava veloz.
terça-feira, agosto 10, 2010
Trovão que não se ouve não existe
O barulho alto da chuva o deixou louco. Seu tilintar ritmado no teto da varanda e o som da rua sem asfalto sendo atingida pelas gotas eram a sinfonia perfeita para o momento.
Todos aqueles pensamentos guardados secretamente, alguns até de si mesmo, pareceram vir à tona. Foi como se passassem do gasoso para o líquido de repente, ocupando menos volume e pesando mais.. querendo escorrer pela cabeça. Querendo se juntar à correnteza criada pela chuva.
Estava pesado, muito pesado. Precisava falar ou colocar tudo pra fora de alguma forma.
Colocou a si mesmo pra fora.
Saiu na chuva grossa sem medo. Os pingos grossos já o atingiam antes que terminasse de abrir o primeiro portão, causando um pequeno estranhamento de temperatura em seu corpo. Ao atravessar o portão que largou escancarado, ele se livrou da sua blusa. Abraçou a chuva de peito aberto, mergulhou no som dos trovões.
Ria de seu comportamento enquanto ia ao segundo portão, que dava saída pra rua. Era sempre assim, não importando a época. Mergulhava quando queria algo. Quando tinha esse algo, mergulhava mais ainda, de cabeça, aproveitando cada instante. A cabeça, que tanto usava pra pensar demasiadamente sobre tudo, abria o espaço e, ponta de lança, cortava o caminho a se seguir. O coração dizia a direção e o espírito agüentava todo o dano que vinha como faca afiada em sua direção, dilacerando até orgulho em seu caminho.
Mas o mergulho sempre continuou. Apesar das dores, cortes e cicatrizes (mesmo que nem sempre obvias ou mesmo visíveis), da pressão aumentando quanto mais fundo ele fosse, ele continuava. Um mar de acontecimentos bons e ruins estava a sua volta enquanto durasse o mergulho, mas ele fora o mestre do otimismo e da coragem. Continuava, sempre, em frente, sempre em frente, sempre em frente, como o trem que se prende aos trilhos do caminho escolhido (até mesmo repetindo analogias).
A chuva, depois de encharcar rapidamente os cabelos castanhos, escorria do rosto aos ombros, parte caindo diretamente ao chão, parte escorrendo pelos braços e tórax. Era uma sensação excepcional. A cascata gelada descia pelo corpo provocando uma espécie de choque no caminho, provendo energia. Dando coragem e resistência por onde passava.
Parou de pensar e só se concentrou naquele momento singular, mesmo que já repetido algumas vezes.
O peso no peito passava, o nó na garganta se desfazia.
Os sentidos melhoravam. O olfato, geralmente deplorável, agora sentia um agradável perfume que incitava à busca de sua origem. O paladar estava deixando de sentir o gosto amargo de instantes atrás. A visão clareava e os olhos não se incomodavam com a chuva, de forma alguma. Um ímpeto vindo do instinto o fez se mover.
Postou-se a correr. Como se suas pernas fossem guiadas para o bom caminho, ele corria no ritmo de uma respiração rápida e compassada. Depois de meia hora correndo e tentando não escorregar na chuva, enfrentando lugares enlameados que exigiam força para se passar, o cansaço deveria ter chegado. Mas não chegou. Por muito tempo não houve cansaço, e por muito tempo ele não descansou.
Sempre fora assim. Ao primeiro sinal de que as coisas estavam bem, numa fagulha de felicidade, debilmente ele ia em frente, com tudo que tinha.
Não descansou até perceber que precisava. E quando percebeu, cansou. Sua energia foi a zero imediatamente. Nenhum espírito é tão forte assim, garoto. Vê se aprende. – era o que rodava em sua mente numa voz pouco mais grave que a própria.
Neste momento ele piscou e se viu parado exatamente do lado de fora do primeiro portão. Não havia corrido um centímetro, nem saído para o dilúvio da rua. A chuva forte começava a estremecer seu corpo.
Achou que estava ficando bem. Teve esperanças nessa chuva perfumada onde estava, pra onde fora atraído. Não era a sua primeira vez e não seria a ultima em um acontecimento desses, pensou. Listou mentalmente todas as coisas que tinha na cabeça, e se deu conta que não botara nada pra fora. E estava tudo exatamente do mesmo jeito.
A mesma falta de vontade. Ou seria de força?
Como que sentindo medo, seu espírito machucado tremia com força sob a chuva. E o garoto tentava decidir: voltar pra casa vazia, se enxugar e esperar a próxima chuva ou abrir o portão e enfrentar a tempestade lá fora?
Essa decisão tem alguma coisa a ver com seu estado atual?
Ele acordou cheio de perguntas a si mesmo e sentindo o vento frio vindo da janela. Apalpou ao seu lado a parte sempre vazia da cama, buscando ali algum conforto. Costume idiota. Vazio. Só isso. Idiota.
sexta-feira, maio 21, 2010
Several Ways to live Trying
Saindo do breu de um beco úmido, seus passos ecoando um som de borracha em lama, ele tira um objeto prateado do bolso e expõe à garoa. O som do isqueiro abrindo, libertando uma pequena chama ao vento forte, é como o toque de um pequeno sino em meio ao ritmo ditado pela goteira que incomoda a metros de distância.
Ele pára e encosta na parede ao fim do beco, observando calmamente a chama que não se apaga sob a garoa, perseverante.
Olhando sobre o ombro, para a escuridão de onde saiu, ele nota que a pequena chama ilumina fracamente um círculo envolta, rachando com destreza uma pequena parte da sombra que ficou para trás. Voltando ao fogo, lembra-se.
Um cavaleiro, veloz, cavalga sobre um campo verde com poucas árvores. Já foi espada e escudo.
Já defendeu amigos e também já falhou nisso. Já foi escudo para si mesmo, e lança também. Já atacou seu objetivo sem pensar, ignorando toda a dor causada pela peleja infinita e absurda. Lutou sem causa, sem orgulho. Pisou em cima de sua própria razão e por vezes cuspiu sangue em sua face no espelho, escondendo ali a cara machucada e infeliz que não admitia o erro. No coração, continuava sendo um cavaleiro.
Havia se desfeito de sua armadura há muito tempo. O peso que o defendia o tempo todo não era necessário. Agüentou, por tempos, dores que não eram suas. Foi bom com aqueles que buscavam nele algum conselho, amizade ou carinho. Também buscava os mesmos em pessoas e, intencionalmente ou não, foi bom na troca.
Mas seu espírito ia ficando cansado. As constantes batalhas, muitas que somente ele tomou conhecimento, muitas consigo mesmo, desgastaram sua vontade.
Ele pisca finalmente, olhos lacrimejando, e na visão turva se repete o momento em que abandonava sua espada. Quando escolheu trocar o bom combate pela artimanha. Por um tempo antes disso, já não era o mesmo. Já não tentava tanto ser melhor, evoluir. A bainha agora carregava uma adaga, polida pelas vontades e cravada com rubis que davam uma estranha sensação de liberdade, acompanhada por um sorriso que poderia um dia ser vil. Tinha o potencial.
Por um tempo, seguiu o caminho mais curto. Andou pelas sombras, fez coisas das qual não se orgulhava. Seu orgulho, inclusive, ficava escondido. Difícil de alcançar até pra ele mesmo. A visão, por vezes embaçada na luz, caía pro lado e não o reconhecia no espelho. Observava os próprios olhos com dificuldade e via sua silhueta, contornada por um ar inflamável. A cara de olheiras roxas e barba por fazer atirava cansaço e quase quebrava o vidro fino que prendia sua dignidade. Não gostava de algumas atitudes suas, mas continuou no caminho torto, apesar dos avisos que já chegavam aos seus ouvidos atentos.
O ar inflamável à sua volta começava a queimá-lo. Mas precisava seguir mais um pouco. Acostumado idiotamente a ir até o limite, ele continuou.
Personificou o contrário do que era.
Decepcionou, decapitou sua própria razão, e seguiu somente a vontade. Decepcionou, denegriu seu próprio manto de honra, já manchado e rasgado, antes ostentado pelo esforço.
Nada que encontrou no caminho oblíquo durou. Mas o que é que dura nessa vida?
Piscou novamente. A chuva, agora forte, o acordava dessa vez. A mínima chama do isqueiro prateado continuava acesa, de alguma forma mágica. Encarou-a com avidez. Esperava algum sinal, mas este já estava dado. Esteve jogado em sua face o tempo todo. Nunca havia saído dali, só ele havia escolhido ignorar.
Fechou o isqueiro com ímpeto, quase prendendo o próprio dedo. O som metálico ecoou por todo o beco e, apesar da chuva já forte, produziu o som de metal batendo em metal, como lâminas se combatendo. Desencostou da parede onde estava. Tinha que se mover. Sacudiu um pouco da água acumulada em seu casaco e colocou o capuz.
Soprou um pouco de vapor ao começar a caminhar. Agora faria um caminho novo. Iria inventar. O improviso lhe cairia bem enquanto recuperava a dignidade e honra que estavam turvas, as poucas certezas que tinha.
Ele andou seus passos rápidos pela noite, criando um novo caminho.
Eu gostaria de dizer que ele foi bem-sucedido em suas empreitadas. Adoraria dizer que conheceu várias pessoas que fizeram parte da sua vida até o fim desta, e que manteve esplendorosamente os velhos amigos. Seria maravilhoso afirmar que ele encontrou pelo menos parte do que procurava em uma pessoa especial, e que ele mesmo se tornou muito melhor durante todo esse processo.
Seria excelente saber desses detalhes com precisão, mas seria saber do futuro. Cada parte dessa história ainda será construída. E eu espero continuar aqui pra contar o resto.
Continua... (?)
sábado, abril 03, 2010
Filho do Vento
12/08/08
E, ainda que sem vontade, ele não resiste ao impulso de, mais uma vez, dizer às paredes surdas que não é assim que funciona.
Que não é a sombra periférica que todos aqueles pobres diabos procuram, quando correm sob o sol, trabalhando e mantendo suas vidas (quando mantém as vidas luxuosas de outros).
Não é a sombra que passa pela alma dele quando ele percebe que muitas vezes foi infeliz, não por falta de chance ou recurso. Estava ocupado demais, correndo no sol e pelo motivo errado.
Não é a sombra que persegue e gira no seu eixo, enquanto ele corre no sol, o que ele procura.
Não tem nada a ver com trabalho, dinheiro, sucesso ou amor. Ele é a única sombra. Pincelada na paisagem, passando como trovão.
Sombra de si mesmo, refletida no suor gotejante. Que arde o olho. Só vê um borrão passando a metros por segundo.
Sua abstração, agora, é maior do que tudo isso, e ele só quer correr debilmente logo abaixo do rei, da bola de fogo. Por que ele quer, não por dever. Não hoje.
Nas pontas dos pés, ele mantém a velocidade máxima. O vento parece abrir caminho. O corpo curvado para frente percebe a poeira deixada para trás, desacreditado do que já fez, do que aguentou sem hesitar e sem parar de continuar.
Não há ruido em seus passos. O som em si, é uma lembrança. Mais uma sombra.
Agora ele tem paz. Ele vibra na frequência certa.
Só por hoje, ele não é um escravo de sua necessidade. E não há mais sombra, nem parada, nem obrigação.
Após ecoar sua satisfação nas paredes adjacentes..seguiu com o vento para o leste. Foi empurrado por ele. Adotado.
sábado, março 27, 2010
Nada
Post da época que eu fazia curso técnico (informática) de manhã e pré-vestibular a tarde. Machucava.
28/08/08
Nada mais do que um dia cansado.
Os olhos semi-abertos vendo o mundo girando e água sendo jogada na face magra, parecendo ter nada mais do que uma ou duas horas dormidas.
Nada além de caracteres digitados, funções utilizadas e abstrações feitas. Janelas abertas sem o vento entrando. Tudo bem abaixo do ar-condicionado, o frio cortando a garganta machucada, que tenta se esquentar por palavras de lábios ressecados a ouvidos congelados. Lógica utilizada pelos dedos rápidos, movidos pelas engrenagens neurais de apenas mais um iniciante. Pessoas chamam concentração de loucura, raciocínio de desequilíbrio.
Nada de cochilo, não há descanso. As cinzas da mente estacionam enquanto a paisagem passa, machucando os olhos, e o trem amarelo carrega seus escravos de sempre, em frente, sempre em frente, sempre em frente, sempre
Nem uma grama de falta de sono na mente nublada, abaixo do sol escaldante (não há sombra, lembra?). Só o vento parece querer ajudar.
A história é sempre a mesma, não importa o quão distante se encontra de seu eixo de rotação. O peso das pálpebras se mistura com a dor no pescoço. O norte tende a sul quando um sono sem sonhos se apressa em acordar sobre o braço dormente. Números infinitos surgem, formigando as mãos instigadas a se mover.
E ao vencedor, as batatas.
Ao fim do dia, horas extras.
Cercado da poeira dos livros antigos, voando de carros a blocos de geometrias estranhas, o diagonal quase caindo para o lado se esforça para não perder o foco. Nada de ângulos errados. Centrado.
E zero. Nada de mais.
Só mais um dia oblíquo pelo caminho torto.
Trem cheio como a cabeça. Catatonismo e, de repente, o lar.
Horas de minutos infinitos que passam na velocidade da luz, quase nao dando tempo de se dar conta do tempo (que é estranho, desde ontem).
E mais e mais letras. Palavras escritas ainda a pensar, e sentidos confusos.
Nada de mais, quando se faz o mínimo pra não ter mais que fazer nada. O mínimo pra nada mais precisar ser mais difícil do que já é.. e talvez no futuro, poder fazer quase menos do que tudo para ter bem mais do que nada. Só uma.
Uma respiração leve. Só o necessário.
E até lá, nada será tão necessário quanto o descanso. Que é tudo o de menos que se tem.
Um texto não é lido, e não é nada de mais.
A mensagem vazia foi dada.
Obrigado, boa noite.
Que você não sonhe nada.
domingo, fevereiro 21, 2010
O que é mesmo que se passa?
quarta-feira, fevereiro 03, 2010
Metal Contra as Nuvens
domingo, janeiro 24, 2010
É, talvez seu ombro só esteja sujo DEMAIS.
O rapaz ouvia a música. Batia levemente os pés acompanhando seu ritmo, e fechou os olhos pra se concentrar na letra.
Era uma bela canção, que falava sobre liberdade. Sobre fazer o que tem que fazer, derrubar os obstáculos. Romper as amarras. Um grande clichê, se você me perguntar; mas um que faz bastante sentido. A progressão da música o fez querer se mover, e ele apoiou o peso do corpo na outra perna, inquieto.
De longe avistou uma janela, que trepidava com o vento e a chuva lá fora. Um ar frio entrou pela imensa janela e encheu o cômodo, plantando nele um doce desejo correr e atravessá-la com um pulo, pousando no ambiente fresco do lado de fora.
Foi ao decidir romper a inércia que percebeu que era mais difícil do que pensava. Ele parecia estar preso. Não conseguia sair do lugar.
Olhou para os punhos: nada. Para os tornozelos: nada.
Procurou por cordas, correntes e até mesmo algo não-natural em volta de si. Não achou nada.
Bufou ao se sentir obrigado a olhar em volta, estava enjoado disso.
Seu olhar passou como vento pela sala e ele entendeu de imediato o que estava acontecendo: Ele estava totalmente livre, nada nele mesmo o impedia de simplesmente voar dali. Mas infelizmente, a sala estava cheia de gente à sua volta. Conhecidos e desconhecidos se misturavam ali. Todos vivendo suas vidas da forma que preferem, e todos amarrados. Como ele poderia sair do lugar se à sua volta havia tanta gente que simplesmente não se moveria? Como correria livre dessa forma?
Pensou em uma forma de avisá-los, mas não adiantaria. Alguns estavam amarrados por cordas, outros por correntes. Uns poucos tinham imensas bolas que aço que provavelmente eram o próprio peso de sua consciência. E nenhum deles notava a própria imobilidade.
Pensou bem, e o que todos aqueles tinham em comum eram a resposta para a metáfora.
A palavra veio fácil: medo.
Ele observava as pessoas e via cada medo. Eles estavam ali, escondidos totalmente a vista, e segurando cada um daqueles indivíduos agarrado no mesmo lugar.
Ah, claro. Agora você diz “é obvio, todos temos medo!”, e nós concordaríamos com você.
Mas o seu medo o impede de fazer o que te deixa feliz? Um risco faz você desistir totalmente de algo? Você baseia suas escolhas em um medo que você mesmo colocou (ou permitiu que os outros colocassem, o que é basicamente a mesma coisa) na sua cabeça?
Se você respondeu sim a alguma dessas perguntas, meus parabéns. Você corre o sério risco de estar nesta sala neste exato momento. E sabe o que mais? Não há ar-condicionado nela. Se você tiver coragem, vá lá fora e busque seu ar fresco, por que ninguém jamais fará isso por você. Seu medo é seu, e somente seu. O pó negro que todos nós temos que ter um pouco sobre os ombros, mas não o suficiente para fazer você curvá-los, como um derrotado por suas próprias escolhas.
O rapaz pareceu me ouvir, e já começou a se mover. Com um semblante tranqüilo, ele começa a achar a saída. Passando entre os medos dos outros e educadamente pedindo licença, ele ignora a imobilidade alheia e segue seu caminho.
Enquanto estamos sentados aqui, falando, o garoto atravessa a janela.