terça-feira, setembro 14, 2010

Sim / Não. Pode / Não Pode. X / !X


A dor de cabeça não era nenhuma novidade, e ela resolveu levantar do computador por um tempo. Pegou a garrafa d’água na mesa às suas costas e começou a dar grandes goles enquanto andava até a janela.

A garota vestia um short folgado de um rosa desbotado e uma blusa velha amarela, com alças finas que não permaneciam nos ombros de jeito nenhum.

Um vento fresco vinha ao seu encontro, promovendo um arrepio leve. De seu quarto, no 3º andar, podia ver a rua vazia e quieta que só a madrugada proporcionava. O cheiro leve de asfalto molhado e grama úmida trazia uma sensação boa. Gostava da noite.

Uma pontada aguda na têmpora o fez se levantar da poltrona do computador. Imediatamente ele inclinou a cabeça em ângulos estranhos, estalando o pescoço com um som alto. Fez algumas flexões no chão antes de ir até a janela grande na pequena área de serviço. Observou o céu nublado por um tempo.

O ar úmido anunciava chuva, e ele se concentrou em ouvir as gotas que começariam a cair em segundos. O silêncio da madrugada o encorajava a continuar ouvindo o nada indefinidamente, e ele permaneceu ali só ouvindo e pensando em nada muito específico. Divagando em pensamentos sem peso, sem preocupação.

O ombro da garota foi quem a avisou que começara a chover. Uma grande gota gelada tocou sua pele onde deveria haver uma alça de blusa e a tirou de seu transe. Estava totalmente perdida em pensamentos sem importância.

O frio foi repentino.

Um trovão veio junto com as primeiras gotas da chuva e fez o rapaz piscar. O frio ainda não o incomodava, mesmo ele estando em seu habitual traje de dormir, que consistia basicamente em uma calça preta fina e nada mais.

O vento gelado soprou novamente e dessa vez o fez encolher os braços em volta de si mesmo.

Ela quis ser abraçada de repente. Seu semblante tranqüilo se modificou em uma expressão de saudade de alguém que nunca teve. As sobrancelhas se juntaram devagar, e os lábios rosados formaram um bico pouco perceptível.

O maxilar se enrijeceu.

E a expressão dele ficou séria. Neste momento certamente o perguntariam o que diabos ele estava pensando e ele, como algumas vezes, simplesmente não tinha uma resposta de imediato. Apenas sentia falta de alguém que nunca teve.

O rapaz e a moça poderiam muito bem estar em prédios um de frente para o outro. Poderiam estar se encarando agora e sorrindo simpaticamente pela expressão de um ser o espelho da do outro. Poderiam conversar de longe por sinais e finalmente decidirem descer de seus apartamentos e conversarem na rua, e a conversa começaria com ambos gargalhando por “como a gente é bobo de ficar fazendo mímica ao invés de descer logo” antes mesmo de um saber o nome do outro.

Eles poderiam tranquilamente conversar até repararem que ficou incrivelmente tarde e eles têm que voltar pra casa, e ainda sentirem vontade de conversar quando chegarem lá.

Poderiam tornar costumeira a passada na janela entre qualquer atividade em casa, só pra ver se eles se vêem “por acaso”. Ou talvez de repente a tarefa de abrir o portão pra entrar no prédio tenha ficado trinta segundos mais demorada. Talvez mais demorada, se eles ficassem olhando pra trás, para o prédio em frente ao próprio.

Tudo isso é possível, mas não aconteceu.
Nenhum dos dois teve o abraço que queria. Nenhum deles foi protegido do frio.

Ele não tocou o ombro dela pra ajeitar a alça da blusa que caía pela quadragésima nona vez, após horas de conversa. Ela não comentou rindo que ele provavelmente pareceria menos mendigo de dia, enquanto tocava a barba por fazer dele e apontava sua camisa totalmente amarrotada.

Eles não ignoraram totalmente a chuva enquanto estavam juntos. Isso não aconteceu.

Os dois viveram suas vidas como puderam e nunca se encararam de suas janelas, através da chuva. Talvez tenham se visto em alguma palestra da faculdade, ou alguma festa.
Podem ter se conhecido em alguma turma de uma matéria esquisita de humanas.

Nunca tiveram mais do que isso. Sempre foram mais do que isso.

As coisas podem acontecer, podem se desenvolver, desabrochar e se tornarem acontecimentos e sentimentos sólidos.

E pode não acontecer nada, não importando o quanto se quer ou se pode. Pelo simples fato de não acontecer.

O mais perto que esses dois chegaram de se relacionar de qualquer forma, pode ter sido esse olhar para a chuva. Ou eles podem estar juntos neste momento, vivendo as próximas chuvas juntos.

No fim, é só uma história de vida ou de blog. E pode não ser a sua nem a minha.

Ou pode ser a nossa.

Um comentário:

Jordana Diógenis. disse...

Francis,

Gosto mais das suas reflexões (q estão mais no final do texto) do que as descrições de local e das pessoas, e das roupas, etc.
Dá pra economizar linhas dizendo mesmo o que é importante para vc e dizendo com pocas palavras, com sutileza.

O que vc coloca aqui são coisas mto legais!


Beijos!
Saudade de vc, cabeçudo!