segunda-feira, março 28, 2011

So long, So long


O motor do carro roncava quase tão alto quanto a música nos ouvidos do motorista. A música estava bastante alta, e incomodaria qualquer outra pessoa que estivesse dentro daquele carro, se houvesse alguma.

A estrada noturna permitia visibilidade limitada da paisagem, mas ele gostava assim mesmo. Durante a noite, apenas o vento entrando pelas janelas e o som da sua música já eram beleza suficiente, então paisagem nenhuma era necessária.

Era bom demais sentir o vento forte sacudindo sua camisa de botões, leve e solta no corpo. O cabelo curto praticamente não se movia, mas dava pra sentir os sopros passando e acariciando sua cabeça, já fria em função do ar gelado.

A blusa leve, de flanela e com alguns botões faltando, mal protegia do frio. Fazia 7ºC numa noite que ventava, mas ele dobrava as mangas até os cotovelos assim mesmo.

Os braços se moviam pouco enquanto as mãos batucavam levemente no volante ao ritmo leve da música, alternando em imitar piano ou violão.

O avançar da kilometragem das placas indicava a proximidade à uma cidade. Uma leve excitação, acompanhada de uma revirada leve no estômago, começaram a digerir a informação: estava finalmente chegando. Mais de vinte horas dirigindo, com algumas paradas rápidas pra comer, e cochilos de apenas um par de horas no banco de trás do carro. Estava finalmente a poucos kilômetros de lá. Dela.

Como que sentindo o momento, a música seguinte deu um tom de reencontro, e uma leve nostalgia tocava o violão. Ele afinou o rosto numa expressão um pouco séria. O maxilar ficou rígido, esperando a curva terminar.

Todo o barulho de música e motor, pareceu se esvair. Nada era ouvido, nem mesmo o clichê das batidas de seu coração. As mãos firmes apertavam o volante e as sobrancelhas se juntavam lentamente, acompanhando o progresso rápido pela curva, que já parecia ser infinita.

E então a reta finalmente apareceu, o volante voltou para sua posição original e um sorriso se abriu.

A música voltou, mais animadora do que nunca, e até o motor do carro pareceu comemorar.

À frente, descendo mais uns poucos kilômetros, se viam as luzes de uma cidade. Os pontos de luz azulada e amarelada ao longe pareciam estrelas, e ele acelerou de encontro ao seu destino.

Depois de tanto tempo, e de tanta espera, finalmente ele estava chegando. Se aproximando de seu abraço quente e do cheiro maravilhoso que sentiria. Chegando cada vez mais perto do sorriso que o fazia sorrir automaticamente, mesmo quando era apenas uma lembrança.

Gargalhou uma comemoração, parecendo fazer parte da grande sinfonia do momento.

Pisou mais no acelerador ao lembrar do beijo, e então já se sentia em casa.

sábado, março 26, 2011

Through the fire and flames

E então a chama se levantou alto, apontando para o céu escuro, e o mundo começou a girar mais rápido. Esse fogo não pode mais ser ignorado, uma vez aceso.

Era um pequeno carvãozinho, parado ali no seu canto, enquanto o sistema todo funcionava normalmente. Luz e sombras brandiam suas espadas uma contra a outra, caos acontecia, tudo explodia, e a pedra preta inflamável ficava ali. Parada.

E sob a lua, o inexorável resolve que está na hora de mexer nesse sistema por dentro. Está na hora de provar de um novo tipo de caos, aquele que vai testar se todos os anos de aprendizado sobre este mundo orgânico, que é o próprio interior, funcionam na prática. É um novo contexto. Autocontrole no máximo, apitando, palpitando, e a resistência é testada sob pressão catastrófica.

A combustão acontece, então, e o jogo começa. O jogo no qual não se faz idéia de o que seja ganhar ou perder, e a rolagem de dados mostra resultados oblíquos, caindo e equilibrando-se nos vértices, diz apenas que você ainda consegue continuar. E o caminho não pode ser analisado de forma a se saber se está indo pra frente ou para trás. É só um caminho pra dentro, cada vez mais.

Uma vez que o fogo está aceso, nada mais se pode fazer: proibi-lo de queimar o ar e se manter, é pedir que ele fique mais forte; não se pode tentar controlar ou desviar das faíscas que queimam; o fardo agora é o peso de esperar que ele se enfraqueça ou que vire uma labareda poderosa por si só, tomando a decisão de alimentá-lo ou tentar extingui-lo no instante exato, sob o sopro correto do vento frio.

Até lá, rasgue o céu e seja a fênix que você pode ser, por que parte da diversão é ver o fogo queimar o que pode. E fugir não é mais uma opção.

segunda-feira, março 21, 2011

/10

Sua face pasma, com a mão jogada por cima da boca e rugas de expressão na testa, não mentia. Eram tantos pensamentos, tantos exemplos que ele poderia dar. Tantos momentos em que ele se policiou pra não fazer o que não deve e pra não ser exatamente o que era jogado nele agora. Uma torrente de sentimentos passou por sua mente, trazidos pelas lembranças, até recentes, do seu esforço. Mas ele segurou tudo, tentando ficar calado. Queria ver até onde tudo aquilo iria.

Então é isso? É assim que é visto? Olhou pra dentro de si mesmo e procurou respostas. Realmente considerou, por um breve momento, se poderia haver verdade naquilo que era atirado contra ele, na ponta da flecha. Como que encontrada por sua própria mão e exposta claramente a seus olhos, surgiu a resposta: “Não. Esse não sou eu. Esse é exatamente o tipo de pessoa que eu decidi ser o oposto desde que eu tinha quinze anos de idade, ou treze. Essa pessoa, esse não-eu, corrompe e destrói tudo com o que eu me importo. Suja o chão por onde passa e ofende o próprio ar que respira”.