Um estalo em seu ombro se fez ouvir e o alertou que a
primeira gota de uma chuva grossa finalmente começava seguir seu caminho rumo
ao chão. Por um instante ele ponderou sobre rumo, mas outra gota, parecendo
querer impedi-lo de pensar, fez questão de cair em seu olho – ecoando pro mundo
na forma de um xingamento alto e muito bem-vindo.
Em poucos segundos a chuva já o havia encharcado, mas já não
se importava. Era o melhor clima que ele presenciava em dias. Continuou parado
como uma estátua, sua sombra, turva por culpa da água e dos trovões que volta e
meia faziam oscilar a pouca luz que existia ali, combinava com sua visão. Uma
visão turva.
Ele piscava com força, tentando retirar das pálpebras o peso
da água e do sono - acumulado devido às severas noites mal dormidas. O corpo
parecia mais pesado também e ele sabia muito bem que não era por culpa da sua
roupa molhada. Ignorou esse pensamento e arrancou a jaqueta, jogando-a
aleatoriamente para a areia que o cercava. Ela caiu pesadamente, acompanhada de
um estrondo que anunciava o primeiro trovão do dia. O primeiro de muitos.
Passou a mão pelos cabelos, como se isso fosse deixá-los no
lugar. Afrouxou a gravata e abriu o primeiro botão da camisa, enquanto os pés
faziam o velho movimento de arrancar os sapatos dali. Pisou na areia daquela
praia ainda calçado das meias. Ao longe, algum pássaro corajoso gritou,
provavelmente com o esforço de voar naquelas condições adversas - ele pensou.
Pensou em gritar algo de volta, talvez uma palavra de coragem para o pássaro guerreiro,
mas se contentou em só dar de ombros enquanto se sentava.
Sentou e tudo ficou branco, mas foi difícil se concentrar
nisso naquele momento.
A verdade é que, quando um raio cai perto a ponto de toda
sua visão ficar branca, você não sabe muito bem se pensa “o que diabos é
isso?”, se ouve um estrondo absurdamente alto ou se só se concentra em ficar
totalmente desnorteado. A outra verdade – pois não existe só uma – é que ele
quase não se apegou ao fato em si, afinal, já havia passado por aquilo antes, e
se concentrou em gargalhar à partir do instante em que percebeu que estava
acontecendo de novo. Também não se concentrou na probabilidade ínfima de isso
acontecer duas vezes com a mesma pessoa, pois estava bastante ocupado se
concentrando nas conseqüências daquilo ter acontecido, afinal.
E a conseqüência foi que o tal raio havia atingido um poste atrás
e assustadoramente próximo – e um dos poucos que existiam em volta daquela
praia em particular – deixando-o totalmente apagado e com uma penca de fios pendurados
faiscando. De fato, todos os outros postes em volta se apressaram em seguir o
rumo do amigo e logo a praia estava quase que totalmente escura.
E então não se concentrou em mais nada.
Passou de sentado para deitado, ainda gargalhando, e juntou
as duas mãos abaixo da cabeça, ensaiando um travesseiro de pouco efeito. Fechou
os olhos e agradeceu silenciosamente a ninguém em especial por aquela noite.
Não sabia para que tinha ido até aquela praia até este momento, mas agora tudo
parecia paradoxalmente claro naquela escuridão.
Um vento repentino soprou o que faltou do seu sussurrado
“boa noite”, que ele adormeceu antes de conseguir terminar de proferir.
Precisou de chuva forte, raios, escuridão e vento na cara, mas
finalmente conseguiu descansar.
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