domingo, abril 24, 2011

Inspiro

A cabeça dói, o mundo roda. Tudo gira, gira e gira, e você está no mesmo lugar.

Mas você está no mesmo lugar.

Pois você está no mesmo lugar.

Pouca coisa mudou, se reparar bem. A sensação é quase a mesma, não importa o tanto de verdades que você possua na bolsa, suas ou de outrem.

Pouca coisa mudou.

O corpo cansado, cansa e mente, que já bastante cansada cansa o corpo. E pensar no cansaço causa tanto cansaço que dói. E começa a descrição das dores.

Numa ordem não de importância, a dor começa na cabeça. Na mente, e na cabeça.

Desce pelo pescoço, bem atrás. Pesa nos ombros como chumbo, passa pelas costas e se fixa na base da coluna, lá onde incomoda quando você senta pra pensar. Mentalmente, a dor se aloja na visão da vida, que roda, roda, gira, e não sai do lugar. Nublando a memória, a dor se deve ao lembrar do que não se pode, ao lembrar do que se foi, e do que nunca poderá ser. É bastante simples, na verdade.

Um nó dolorido na garganta vem de baixo, subindo do coração. Tem lá sua dose de peso nos ombros, mas causa uma dor chorosa embaixo dos olhos, que permanecem secos como o deserto de esperança ausente.

Trabalho feito inutilmente e jamais reconhecido é o que acontece. Todo o seu esforço e paciência..

Esperança inexistente, que gira, roda, anda, e não sai do lugar. Não respira. Morde o maxilar, rígido, quase todo o tempo. Mas nada sai do lugar, mesmo quando parece que tudo se move.

O que existe, no momento, não existe. Não pode existir.

É falso e inacreditável. É nulo, vácuo, por onde o som não passa. Preso na garganta.

O único significado agora é o nada. Nada mais significa. Tudo por nada, tão em vão quanto o ar que circula agora, e que não faz vento. Não faz.

Não vento.

A cabeça dói, o mundo roda. Você está no mesmo lugar.

Expiro.

Tudo outra vez.

domingo, abril 10, 2011

A Arte de Continuar II


O cavalo, coitado, há muito estava perdido. Não havia sobrevivido a todo esse percurso, o pobre animal. Diferente dele. Ele sobrevivia. Até vivia.

Suas botas grossas, de sola emborrachada, respingavam lama marrom para todo lado, e faziam um eco estranho do chacoalhar da água presa em algum lugar dentro delas. A parte de trás da sola, no calcanhar, era severamente mais gasta do que o resto, talvez por seu modo tão singular de andar pelos caminhos.

A velocidade de sua viagem havia sido lamentavelmente comprometida desde que seu cavalo sucumbira a cansaço e fome. Talvez tenha se descuidado do bicho, achando que finalmente estava chegando a seu destino, e falhou miseravelmente ao calcular isso. Havia ficado mais distante ainda. Provável que até impossível.

Mas ele se recusa a desistir, de qualquer forma. Viveu até agora enfrentando, e sim, agüentando, tudo que veio pela frente. Sem temer de qualquer sofrimento que possa ser causado a ele no caminho. Sobreviveu até agora, e até viveu.

Neste ponto da sua busca, o guerreiro parou para encarar essa parte especialmente difícil do caminho, e ficou agradecido aos deuses por seu cavalo ter sido poupado deste mau bocado. À sua frente, um calor que provocava um nó de sofrimento na garganta anunciava o que seus olhos enxergavam com facilidade: um túnel de fogo e carvão; lava escorria de alguns pedaços do terreno e descia até o abismo que completava a paisagem até onde a vista alcançava. Não havia outro caminho. Era cair no abismo de lava ou seguir no túnel de fogo. No fim deste túnel, visível apenas para os olhos treinados, havia... nada. Só via um vazio lá no fim, e sabia então que terminaria sua jornada no nada, se conseguisse terminar.

O raciocínio foi tão rápido que nem pareceu ter acontecido.
Foi fácil decidir o que fazer, afinal, ele seguia em frente implacavelmente há tempos e era bastante experiente nisso. Ensaiou o primeiro passo em frente, já arrastando parte do calcanhar estragado da bota no chão.

O mais difícil, desta vez, foi aceitar que sua jornada não iria terminar com uma vitória. Mas teria que terminar e estava se preparando para pelo menos seguir o caminho vitoriosamente, olhando para frente.

Arrancou um dos botões de cima de sua camisa negra e úmida e logo ia dobrando as mangas. O caminho até o nada seria bastante quente.

Ele sobrevivia. Chegaria lá sem botas e com os pés queimados, mas chegaria. Até o fim do abismo.