O rapaz ouvia a música. Batia levemente os pés acompanhando seu ritmo, e fechou os olhos pra se concentrar na letra.
Era uma bela canção, que falava sobre liberdade. Sobre fazer o que tem que fazer, derrubar os obstáculos. Romper as amarras. Um grande clichê, se você me perguntar; mas um que faz bastante sentido. A progressão da música o fez querer se mover, e ele apoiou o peso do corpo na outra perna, inquieto.
De longe avistou uma janela, que trepidava com o vento e a chuva lá fora. Um ar frio entrou pela imensa janela e encheu o cômodo, plantando nele um doce desejo correr e atravessá-la com um pulo, pousando no ambiente fresco do lado de fora.
Foi ao decidir romper a inércia que percebeu que era mais difícil do que pensava. Ele parecia estar preso. Não conseguia sair do lugar.
Olhou para os punhos: nada. Para os tornozelos: nada.
Procurou por cordas, correntes e até mesmo algo não-natural em volta de si. Não achou nada.
Bufou ao se sentir obrigado a olhar em volta, estava enjoado disso.
Seu olhar passou como vento pela sala e ele entendeu de imediato o que estava acontecendo: Ele estava totalmente livre, nada nele mesmo o impedia de simplesmente voar dali. Mas infelizmente, a sala estava cheia de gente à sua volta. Conhecidos e desconhecidos se misturavam ali. Todos vivendo suas vidas da forma que preferem, e todos amarrados. Como ele poderia sair do lugar se à sua volta havia tanta gente que simplesmente não se moveria? Como correria livre dessa forma?
Pensou em uma forma de avisá-los, mas não adiantaria. Alguns estavam amarrados por cordas, outros por correntes. Uns poucos tinham imensas bolas que aço que provavelmente eram o próprio peso de sua consciência. E nenhum deles notava a própria imobilidade.
Pensou bem, e o que todos aqueles tinham em comum eram a resposta para a metáfora.
A palavra veio fácil: medo.
Ele observava as pessoas e via cada medo. Eles estavam ali, escondidos totalmente a vista, e segurando cada um daqueles indivíduos agarrado no mesmo lugar.
Ah, claro. Agora você diz “é obvio, todos temos medo!”, e nós concordaríamos com você.
Mas o seu medo o impede de fazer o que te deixa feliz? Um risco faz você desistir totalmente de algo? Você baseia suas escolhas em um medo que você mesmo colocou (ou permitiu que os outros colocassem, o que é basicamente a mesma coisa) na sua cabeça?
Se você respondeu sim a alguma dessas perguntas, meus parabéns. Você corre o sério risco de estar nesta sala neste exato momento. E sabe o que mais? Não há ar-condicionado nela. Se você tiver coragem, vá lá fora e busque seu ar fresco, por que ninguém jamais fará isso por você. Seu medo é seu, e somente seu. O pó negro que todos nós temos que ter um pouco sobre os ombros, mas não o suficiente para fazer você curvá-los, como um derrotado por suas próprias escolhas.
O rapaz pareceu me ouvir, e já começou a se mover. Com um semblante tranqüilo, ele começa a achar a saída. Passando entre os medos dos outros e educadamente pedindo licença, ele ignora a imobilidade alheia e segue seu caminho.
Enquanto estamos sentados aqui, falando, o garoto atravessa a janela.