terça-feira, maio 26, 2009

Dreams .1

Ok, eu não cumpri minha promessa. Mas essa é a vantagem de se prometer algo a si mesmo: Ninguém vai reclamar.

Pra compensar, segue um pequeno e charmoso texto que escrevi sobre um sonho que tive muitos anos atrás, depois de passar um bom tempo sem sonhos bons.


Dreams

08/12/08

A poeira subia pelo deserto enquanto algo se movia, fazendo o chão tremer em protesto. Cada segundo era uma mancha borrada na areia da grande ampulheta sob o sol.

Era a liberdade, finalmente. Correndo. Atravessando o deserto depois de muito tempo parada. Travada nos músculos rígidos de sonhos anteriores. Sem conseguir
se mexer sequer pra fugir e sempre tentando fugir de algo. O sub-consciente tentando encontrar a saída mais fácil, desesperado.

Depois de várias noites sem conseguir lutar, sem se mover, finalmente ele era livre. Cada parte do seu corpo o obedecia com fanática precisão. Seus reflexos
não deixavam escapar nada. Por mais rápido que viesse, ele podia se desviar. Todos os sentidos aguçados, como um caçador natural.

Ao contrário das noites anteriores, onde tudo era cinza e granulado, poeira que subia não incomodava seus olhos. Boa parte dela ficava para trás ou apenas
dava lugar às marcas de pés que conduziam para ele, se alguém fosse veloz o suficiente para segui-lo. O velho e viciante vento passava quente pelas orelhas, mas não importava.

De repente, ele parou.

Havia chegado onde queria. No bar.
Não era um bar comum, desses de cidades grandes: cinza e chafurdadas em concreto e fumaça. Não. Era um bar areiento e fedido. Abafado, é claro. Imundo, melado com o suor daqueles que representavam os piores sentimentos acumulados durante o tempo em que ele esteve preso, enjaulado nas próprias escolhas.
Cada maldito homem que preenchia o espaço dentro do bar era uma frustração, uma insegurança, uma raiva, uma desconfiança. Os mais fracos eram apenas brigas a serem encaradas por nada. Problemas criados atoa. Tudo o que ele havia enfrentado sem revidar, apenas aguentando o peso dos próprios membros a não se mover.

Mas hoje não.

Sua roupa da cor de deserto fazia-se confundir com toda a areia que subiu quando ele parou. As botas baixas fizeram um ruído aborrachado por baixo de seus pés. Ele agradeceu a generosidade da ventania que passava tangenciando-o, revelando a parte de baixo do seu rosto ao tirar dali um trapo que ele trazia pendurado sob o pescoço. Ele Olhou fixamente para a porta dupla que balançava levemente, como se esperando que ela se abrisse sob sua simples vontade.
Decidiu parar. Ele se sentia capaz, mas não teria tanta graça se fosse dessa forma.

Por um segundo ele ponderou sobre a possibilidade de entrar no estabelecimento com calma, esperar a reação do inimigo. Talvez até aceitar um ataque e fazer cara de "viu-como-você-realmente-não-pode-me-machucar?".
Um sorriso psicopático invadiu seu rosto, e ele decidiu que não. Não faria assim. Nada de calma. Sem clichê. O dia era de redenção, sem mais poses.
Os caninos pontudos sorriram e arranharam o lábio, fazendo-o perceber o quão louco ele parecia, mas estava feliz. Podia sorrir ao que quisesse.

Como de costume, ele arqueou as costas e dobrou os joelhos. No segundo seguinte, sua visão periférica passava de um quadro pintado em areia e sol para um velho bar western, captando entre os dois ambientes somente o movimento das portas duplas batendo na parede interna enquanto ele entrava.

Parecia muito maior por dentro, e muito mais lotado do que ele jamais imaginou.

Ninguém parecia pensar antes de se levantar de suas mesas quando viram um trovão entrar quase arrancando as portas de madeira velha. Em dois segundos, estavam todos de pé, tomando mais um segundo para que o invasor fosse mais para o meio das mesas, ficando estrategicamente mais difícil de ele se defender. Nada esperto, esse garoto. Era o que pensavam enquanto coçavam a barba e apagavam os cigarros.

Sua esquiva foi perfeita quando lhe atiraram uma, duas, quatro cadeiras. Elas se acumulavam ao seu redor, reduzindo seu espaço para se movimentar. Ele não pareceu se importar e partiu para atacar o homem mais próximo.

Um de seus pés levantou poeira enquanto acertava um cara e o arremessava na mesa de trás. Seu companheiro ainda segurava um baralho quando um segundo chute atravessou seu rosto. Viu tudo rodando antes de não ver mais nada.

Uma barulheira invadiu o lugar, confundido sons de madeira quebrando, gemidos abafados e gritos. Todos gritavam. Alguns xingavam enquanto tentavam se aproximar, outros para se afastar. O garoto gritava de raiva, com força. Gritava a plenos pulmões. Sentia prazer ao ver que alguns dos gritos realmente assustavam aqueles que um dia foram seus medos. Gritava mais, enquanto lutava com insanidade, reflexo e espírito.

Cada golpe desviado era uma vitória e um contragolpe dado. Pulava, girava no ar. Desviava por baixo de mesas, chutava cadeiras nos inimigos. As garrafas de cima do balcão viraram projéteis atirados a esmo, afastando uns e acertando outros.

Ele subiu no balcão com um pulo, chutando um rosto no caminho. Defendeu duas cadeiras e chutou um prato cheio de moscas no cara que tentava subir numa mesa próxima. Pulou para o piano, esbarrando o pé nas teclas e soltando uma nota grave no ar. Seu eco emudeceu os barbudos imundos que estavam perto, mas logo o silencio foi quebrado pelo grito de dor de um deles que, ao tentar alcançar o pé do garoto, teve sua mão presa pelo fecho que protege as teclas do piano.

Com um salto de pés encolhidos, ele se maravilhou ao pendurar-se em um lustre que só agüentou preso no teto por tempo suficiente para que ele se projetasse para cima de outra mesa. O lustre velho e cheio de cupins se quebrou em cima de mais alguns adversários.
A luta levou horas, mas ele não se cansava. Não parou pra tomar ar nem tentou fugir.
Lutou com todos. Desviou, conteve golpes e até foi acertado algumas vezes. Manteve o combate por toda a tarde, notando o brilho do crepúsculo no horizonte quando o penúltimo bandido caiu sobre uma rasteira. Seus movimentos ainda estavam perfeitos. Nenhum músculo parecia falhar. Ele só sentia dor, agora que tinha parado. Mas era uma dor boa. Uma dor muscular, daquela que o faria ficar horas a mais na cama na manhã seguinte. Mas sua alma estava limpa. E essa sim, que havia doído por meses e meses, não machucava mais.

O vento veio forte da janela e derrubou os restos da única mesa que ainda parecia agüentar em pé naquele ambiente, chamando atenção para o chão.

Ele olhou para o chão e viu incontáveis deles. Desmaiados ou mortos, não sabia. Não importava, não eram pessoas. Eram mágoas. Cadeados, correntes, pesos. Seu olhar voou para o lado oposto e ele flexionou os joelhos um pouco ao ver o último se aproximando, correndo.
O vilão gritava como um louco, mas sua voz parecia quase não sair. Estava com a cara inchada, os olhos lacrimejantes e vermelhos. Na sua voz ouviam-se xingamentos horríveis e gritos de convencimento. Tentativas de fazê-lo parar. Ele socava tudo no caminho ignorando o sangue nos seus punhos. O garoto reconheceu este último, e como poderia não reconhecer: era o Desespero.


Ainda com os joelhos flexionados, ele se adiantou ao golpe desesperado, dando meio passo para frente. Teve tempo de agarrar pela manga um dos braços do adversário, antes que esse percebesse o que estava acontecendo. A outra mão fez com que o inimigo fechasse os olhos, esperando um soco, mas com um rastro na poeira que subia, a mão agarrou parte de sua blusa na abertura no peito. O ombro do garoto encostava pouco abaixo do peito do desespero. Seu quadril se moveu poucos graus e o inimigo foi arremessado no ar, passando velozmente por cima de seu ombro e se estatelando com um som de madeira rachando e uma poeira alta tomando conta do lugar.

Esse tinha sido o último deles.

Com olhos de homem, o rapaz deixou escapar um riso quando a poeira baixou e todos os corpos tinham sumido. Tudo desapareceu. Tinha acabado, finalmente.
Todo o troco que ele precisava dar, estava dado. O troco em si mesmo, símbolo da sua liberdade.

Nada daquilo jamais o incomodaria novamente. Agora estava certo. Poderia correr o quanto quisesse, seu corpo não seria mais preso por sua mente. Suas escolhas fariam, agora, o melhor pra ele. Sem mais lutas contra si mesmo.

Ele saiu correndo pela porta oposta do aposento. Levantou a poeira no deserto novamente, e seguiu o caminho que quis.

3 comentários:

Darshany L. disse...

PROMETO
que leio quando meus olhos nao piscarem tanto...

jhahahaha

Jordana Diógenis. disse...

eu tb! :)

Jordana Diógenis. disse...

escreve maissssssssss! :)