sexta-feira, dezembro 28, 2012

Pra onde?

A sensação de irrealidade o acordou de um sonho agitado e ele sentiu como alguém que sai seco da piscina e se molha ao tocar o ar. Tudo parecia invertido.

Tonto, ele massageou as pálpebras por um breve momento antes de sua visão escurecer em um círculo digno de um desenho animado. Quando voltou a ficar claro, a cabeça latejou em desagrado óbvio. As mãos, recém saídas da frente dos olhos, tremiam e suavam frio. O fogo em seu estômago se manifestou e uma das mãos trêmulas se apressou em pousar em cima do órgão, que deliberadamente ignorou o carinho inútil e continuou ardendo como a cozinha do inferno.

Sentiu o celular vibrar no bolso, e sua perna imediatamente esquentou naquele ponto, provocando um rápido levanta-tira-ele-do-bolso-desbloqueia-lê, que foi prontamente interrompido pelo barulho alto que as chaves fizeram ao desabar do bolso para o chão de madeira. Ele tomou um segundo se concentrando em xingar a mãe de um molho de chaves que provavelmente era órfão, e então voltou-se novamente para a tela do telefone; Não havia nada ali. Nenhuma mensagem ou ligação. Nem sinal existia naquela porcaria. Estava sozinho e nem um dispositivo móvel cooperaria para corrigir essa situação.
Ou talvez não houvesse o que corrigir, ou como corrigir.

Olhou em volta rodando mais do que os 360 graus que pretendia, rápido demais, tonto demais e débil demais para o próprio gosto. A sensação de quase cair era irritante, tanto quanto o ambiente. Este, consistia em um cômodo apertado e abafado, com um ventilador que soprava uma baforada quente do ar velho e empoeirado que era facilmente visível pelo feixe de luz alaranjada que atravessava o vidro da janela pequena e fechada na parede à esquerda do rapaz.

Ele apressou seu passo na direção do suposto ventilador e o chutou com meia raiva, tendo que se concentrar em não cair de tonto com o esforço. Um espirro se formou no instante em que a poeira se moveu no ar e foi interrompido pelo susto com o barulho eletrificado do fio, que ligava o ventilador à tomada e se partira enquanto o objeto se arrastava pelo chão do quarto e agora faiscava estranhamente.
Com o espirro frustrado, ele só tossiu e cambaleou até a janela, abrindo-a com a pouca força que parecia lhe restar, e se deparou com uma visão embaçada e o barulho de uma cigarra solitária ao longe. Os olhos piscaram e percebeu que nunca tinha olhado por aquela janela antes. De fato, nunca tinha estado naquele lugar. Não fazia ideia de onde estava ou pra onde ir. Ou do que fazer.
O som da cigarra desapareceu.

A sensação de incapacidade aumentou enquanto ele se levantava para cima da janela, e nela ele sentou, com as pernas pra fora. Uns minutos depois, quase espirrou novamente, mas misteriosamente se frustrou de novo. Os olhos lacrimejaram com a tentativa, e ele saltou dali, de olhos mareados, aterrissando solitariamente em lugar nenhum.

Acompanhado pela dúvida a cada passo, ele caminhou vagarosamente.

segunda-feira, novembro 12, 2012


Um estalo em seu ombro se fez ouvir e o alertou que a primeira gota de uma chuva grossa finalmente começava seguir seu caminho rumo ao chão. Por um instante ele ponderou sobre rumo, mas outra gota, parecendo querer impedi-lo de pensar, fez questão de cair em seu olho – ecoando pro mundo na forma de um xingamento alto e muito bem-vindo.

Em poucos segundos a chuva já o havia encharcado, mas já não se importava. Era o melhor clima que ele presenciava em dias. Continuou parado como uma estátua, sua sombra, turva por culpa da água e dos trovões que volta e meia faziam oscilar a pouca luz que existia ali, combinava com sua visão. Uma visão turva.

Ele piscava com força, tentando retirar das pálpebras o peso da água e do sono - acumulado devido às severas noites mal dormidas. O corpo parecia mais pesado também e ele sabia muito bem que não era por culpa da sua roupa molhada. Ignorou esse pensamento e arrancou a jaqueta, jogando-a aleatoriamente para a areia que o cercava. Ela caiu pesadamente, acompanhada de um estrondo que anunciava o primeiro trovão do dia. O primeiro de muitos.

Passou a mão pelos cabelos, como se isso fosse deixá-los no lugar. Afrouxou a gravata e abriu o primeiro botão da camisa, enquanto os pés faziam o velho movimento de arrancar os sapatos dali. Pisou na areia daquela praia ainda calçado das meias. Ao longe, algum pássaro corajoso gritou, provavelmente com o esforço de voar naquelas condições adversas - ele pensou. Pensou em gritar algo de volta, talvez uma palavra de coragem para o pássaro guerreiro, mas se contentou em só dar de ombros enquanto se sentava.

Sentou e tudo ficou branco, mas foi difícil se concentrar nisso naquele momento.
A verdade é que, quando um raio cai perto a ponto de toda sua visão ficar branca, você não sabe muito bem se pensa “o que diabos é isso?”, se ouve um estrondo absurdamente alto ou se só se concentra em ficar totalmente desnorteado. A outra verdade – pois não existe só uma – é que ele quase não se apegou ao fato em si, afinal, já havia passado por aquilo antes, e se concentrou em gargalhar à partir do instante em que percebeu que estava acontecendo de novo. Também não se concentrou na probabilidade ínfima de isso acontecer duas vezes com a mesma pessoa, pois estava bastante ocupado se concentrando nas conseqüências daquilo ter acontecido, afinal.

E a conseqüência foi que o tal raio havia atingido um poste atrás e assustadoramente próximo – e um dos poucos que existiam em volta daquela praia em particular – deixando-o totalmente apagado e com uma penca de fios pendurados faiscando. De fato, todos os outros postes em volta se apressaram em seguir o rumo do amigo e logo a praia estava quase que totalmente escura.

E então não se concentrou em mais nada.

Passou de sentado para deitado, ainda gargalhando, e juntou as duas mãos abaixo da cabeça, ensaiando um travesseiro de pouco efeito. Fechou os olhos e agradeceu silenciosamente a ninguém em especial por aquela noite. Não sabia para que tinha ido até aquela praia até este momento, mas agora tudo parecia paradoxalmente claro naquela escuridão.
Um vento repentino soprou o que faltou do seu sussurrado “boa noite”, que ele adormeceu antes de conseguir terminar de proferir.
Precisou de chuva forte, raios, escuridão e vento na cara, mas finalmente conseguiu descansar.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

We're not in Kansas anymore

Gritava com uma garganta arranhada, produzindo um som rouco, mas muito, muito alto. Era ensurdecedor.
Não sabia bem por que; A cabeça doía, o corpo parecia fraco. Algo em seu corpo tremia involuntariamente, mas a velocidade com que corria não o permitia identificar o que era. Ele era um borrão na paisagem que um dia fora urbana. Um raio em linha reta, entre os escombros.
Sentia uma espécie de raiva, uma fúria guardada com tanto zelo que mal a reconhecia.

Essa raiva se agarrava naquele corpo veloz, quase arrancando sua pele enquanto se deslocava. Pesava.
Adicionando peso, havia uma tristeza estranha. Não a conhecia mais, também, apenas sentia. Sua massa supressora pressionava o coração, que a essa altura parecia pequeno e quase incapaz.

Como ele conseguia correr assim? Ele não tinha vontade. Não sentia vontade de nada naquele momento. Apenas continuava em linha reta, corpo curvado, pernas se movendo a sei lá qual freqüência, pés quase não tocando o chão.

E então não estava. Era o mundo que corria embaixo dele. Uma sensação esquisita de falta de controle sobre as coisas, sobre si mesmo. Não era acostumado com essa sensação, mesmo que não fosse exatamente nova para ele. Enfim.

Sua visão embaçada não focava de jeito nenhum, não parecia captar tudo que se passava ao seu redor. A audição era quase nula, embora muito barulho acontecesse. O mundo parecia estar com algum problema. Parecia menos real... menos real do que um sonho.
Uma preocupação descomunal atacava sua mente, o coração acelerava e o estomago queimava como a fogueira que carboniza a carne no enterro de um guerreiro, levando aquele corpo cansado para o infinito.

Era muita coisa acontecendo, muito para sua mente. O cérebro começava a pifar, esquecia de funcionar direito. Esquecia. Esquecia de si...

Veio a dor. Atravessava o crânio desprotegido, sacudindo-o com tamanha leveza que um observador mal perceberia qualquer movimento. Era quase em câmera lenta.

Assim como o mundo. Era tudo tão rápido, e tudo tão lento. Parecia um filme que passa rápido demais e que só se percebem alguns quadros. Assimilar está difícil, devagar. Cada imagem demora a fazer sentido.
Os sentidos estão confusos.

Confuso, confuso. Uma tontura generalizada parece invadir o rapaz. Ele está cambaleando, capotando, caindo. A câmera em primeira pessoa capta o chão/horizonte/céu/mãos/poeira/céu/chão e pronto. A tosse confirma que ainda existe um chão abaixo, e é poeirento. Tossiu novamente, ainda rouco. Só então percebeu que tinha finalmente parado de gritar.

Se apoiou nos braços enfraquecidos e içou o corpo até estar sentado.
Decidiu que pra onde olhava era “pra frente”, e teve certeza que estava olhando para frente. Meio vesgo e totalmente débil, via algo se aproximando. Voava em sua direção. Parecia vir rápido, mas não chegava. Só estaria ali de repente, cravado nele, fosse o que fosse.

Nada estava explicado, a confusão do mundo era tal que parecia impossível conseguir respostas para qualquer coisa. Ele tentava definir novos conceitos para o que seus sentidos captavam, em busca de uma explicação. Mania essa de querer entender.

Tateava chão, concreto, espinhos de alguma planta. Sentiu dor. Conhecia a dor, e se sentiu feliz por conhecer algo. Se sentiu triste logo depois.
Algo estava errado, e talvez fosse tudo.

Turbilhão turvo. Então o nada. Precisou e adormeceu.